A presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que define o exercício da
medicina no país, o chamado Ato Médico, com veto a pontos que causaram polêmica
com outras categorias profissionais, como enfermeiros e nutricionistas. A
aprovação da lei foi publicada nesta quinta-feira, dia 11, no Diário Oficial da
União.
O quarto artigo da lei, que define as atividades que são exclusivas aos
médicos, teve nove pontos vetados. Um dos trechos mais polêmicos, que definia
ser privativo aos médicos a formulação do diagnóstico e a respectiva prescrição
terapêutica, foi suprimido pela presidente.
Entre os trechos mantidos estão os que definem que a indicação e
execução de intervenção cirúrgica é atividade privativa dos médicos, além da
aplicação de anestesia geral.
Também foi vetado um ponto do quinto artigo da lei que restringia o
acesso a cargos de direção e chefia de serviços médicos apenas a esta
categoria, impedindo que eles fossem assumidos por outros profissionais da
saúde, como enfermeiros.
Para o governo federal, ao não incluir uma definição precisa do que
seriam "serviços médicos", a lei geraria insegurança sobre a sua
aplicação. "O Poder Executivo apresentará uma nova proposta que preservará
a lógica do texto, mas conceituará o termo de forma clara", disse a
presidente Dilma Rousseff ao Blog do Planalto.
No total, dez trechos da Lei do Ato Médico foram vetados, sendo nove no
quarto artigo e um no quinto.
Um dos pontos polêmicos mantidos na lei define que apenas médicos podem
fazer a indicação e a execução de "procedimentos invasivos, sejam
diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares
profundos, as biópsias e as endoscopias", de acordo com o texto publicado
no Diário Oficial.
Acupunturistas e profissionais de outras áreas, como tatuadores, temem
restrições ao seu campo de trabalho por conta da interpretação que pode ser
feita do que é um procedimento invasivo.
A aplicação de injeções e a indicação do uso de próteses poderão ser
realizadas por outros profissionais da saúde e não são atividades exclusivas
dos médicos, segundo os artigos que foram vetados.
A lei entra em vigor em 60 dias, de acordo com o texto publicado no
Diário Oficial.
Interesse público
A presidente Dilma Rousseff disse ter feito os
vetos para preservar o interesse público na área da saúde, aponta o Blog do
Planalto, canal de comunicação do governo. O texto original inviabilizaria ações definidas em protocolos e
diretrizes clínicas estabelecidas no SUS, de acordo com a presidente.
Para Dilma, da forma como foi redigido, o trecho vetado que previa que o
diagnóstico e o tratamento fossem feitos exclusivamente por médicos
"impediria a continuidade de inúmeros programas do Sistema Único de Saúde,
que funcionam a partir da atuação integrada dos profissionais de saúde,
contando, inclusive, com a realização do diagnóstico nosológico por profissionais
de outras áreas que não a médica", disse ela ao Blog do Planalto.
"É o caso de programas de prevenção e controle à malária,
tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros.
Assim, a sanção do texto colocaria em risco as políticas públicas da área de
saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria",
completou Dilma.
Vetos necessários
Para Amaury Ângelo Gonzaga, membro do Conselho
Federal de Enfermagem (Cofen) e ex-professor da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT), foram vetados pontos essenciais da lei que poderiam atingir
outras categorias da saúde, como os enfermeiros.
O conselheiro ressaltou a retirada do trecho que definia que o
diagnóstico e a prescrição de tratamento eram exclusivas dos médicos. "Era
necessário esse veto, porque [o trecho] iria interferir na relação com todos os
profissionais de saúde", disse ele.
Gonzaga ressaltou que enfermeiros e outros profissionais, cada um em seu
nível e sua área de atuação, com os respectivos protocolos e autorizações,
podem agir em certas doenças e tratamentos. A aplicação de uma vacina, por
exemplo, em tese poderia precisar de prescrição médica pelo projeto de lei
antes do veto.
"Para a Atenção Básica no SUS [Sistema Único de Saúde], seria um
impacto violento. Se passasse do jeito que estava proposto, seria
complicadíssimo", diz o ex-professor da UFMT.
Um dos problemas apontados pelo conselheiro do Cofen é que se a lei
fosse aprovada como estava anteriormente, ela daria margem à interpretação
errônea em casos simples, como o acompanhamento de uma gestação por um
enfermeiro, por exemplo. Procedimentos como este poderiam ser levados à Justiça
para fazer com que só médicos pudessem agir nestas situações.
Para Gonzaga, conselhos e entidades médicas poderiam judicializar
procedimentos que hoje são realizados sem restrições também por outros
profissionais da saúde que não os médicos.
Precedente perigoso
O trecho vetado do quinto artigo da lei, que dizia
que apenas médicos poderiam assumir cargos de chefia e direção em serviços,
poderia abrir um precedente perigoso, na opinião do conselheiro.
Isso poderia, por exemplo, impedir a nomeação de
secretários municipais e estaduais de Saúde vindos de outras áreas
(enfermeiros, nutricionistas), por não atuarem na medicina, avalia o
ex-professor da UFMT.
"Fundamentalmente, o que houve foi um texto
mal escrito e mal negociado pelo Senado", criticou Gonzaga.
Ele reclamou que a intubação traqueal foi mantida
como atividade privativa dos médicos, na lei sancionada pela presidente Dilma.
"Quando você está em uma situação de emergência, no Samu [Serviço de
Atendimento Médico de Urgência], por exemplo, o profissional que estiver ali
tem que fazer o que for preciso" para salvar a vida da vítima, disse.
Na opinião de Gonzaga, a lei não deveria impedir,
por exemplo, que um enfermeiro numa ambulância faça a intubação traqueal se
isso for necessário para salvar a vida de alguém gravemente ferido.
Comemoração
O Conselho Federal de Psicologia comemorou os vetos
da presidente, decisão considerada "corajosa" pela entidade. O principal problema, na opinião dos psicólogos,
era o trecho que previa que o diagnóstico e a prescrição terapêutica seriam
atividades restritas aos médicos.
"No caso da psicologia, as psicólogas e os
psicólogos não poderiam mais diagnosticar transtornos mentais", afirmou o
CFP, em nota oficial.
"Esta é uma vitória do esforço de mobilização
das e dos profissionais da psicologia que, ao lado das diversas profissões de
Saúde, mantiveram aceso por 11 anos o debate sobre o tema", disse o
conselho, referindo-se ao tempo que o projeto de lei tramitou no Congresso.
FONTE: G1.globo.com
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