O Ministério da Saúde
brasileiro está focando excessivamente na falta de médicos e deveria seguir o
exemplo de países que investiram na formação de agentes comunitários e
enfermeiras como forma de preencher gargalos no atendimento à população.
Essa é a opinião de Ilona
Kickbusch, diretora do Programa de Saúde Global do Instituto Universitário de
Altos Estudos Internacionais (IHEID, na sigla em francês), em Genebra.
A especialista vê o Sistema
Único de Saúde (SUS) como "modelo internacional quando o assunto é
cobertura universal de saúde", mas prevê a necessidade de um novo plano
nacional de saúde que desenvolva um sistema "mais horizontal, menos
focados em médicos, mais participativo, que use tecnologias de maneiras
inovadoras e seja mais voltado para prevenção".
"O governo federal
precisa agora traçar um plano envolvendo a sociedade civil, as autoridades
locais, as associações de profissionais de saúde. Assim como aconteceu uma
iniciativa histórica para a criação do SUS, é momento de uma forte mudança
nacional, não bastam atos simbólicos" disse ela à BBC Brasil.
Para Kickbusch, o programa
Mais Médicos, que visa levar profissionais para regiões necessitadas e prevê a
contratação de até 12 mil médicos - que eventualmente poderão ser estrangeiros -
tem foco exacerbado nos médicos.
"A questão não é apenas
sobre médicos, mas sobre agentes de saúde comunitários, enfermeiras e outros
profissionais de saúde. Até porque grande parte dos problemas de saúde do
Brasil hoje são doenças crônicas, para as quais o tratamento ou prevenção não
necessariamente necessitam de um médico", disse.
Experiência escandinava
Ela cita como exemplo a
experiência dos países escandinavos, que nos últimos dez anos têm investido
crescentemente na ampliação do quadro de profissionais de saúde comunitária.
Segundo a especialista, é raro
que médicos estejam dispostos a servir em áreas remotas ou rurais. Estimativas
da OMS mostram que a oferta de médicos em áreas urbanas é de oito a dez vezes
maior que nas zonas rurais.
A ideia de obrigar médicos e
estudantes de medicina a trabalhar em áreas remotas, que está sendo contemplada
no Brasil com um projeto em andamento no Congresso, encontrou resistência em
outros países, como conta Jesse Bump, professor do Departamento de Saúde
Internacional da Universidade de Georgetown, em Washington.
"É difícil ter esquemas
ou políticas que obriguem os médicos a trabalhar em áreas rurais ou remotas.
Alguns países tentaram isso, o Egito foi um deles, mas é muito difícil porque
as pessoas têm direito de liberdade de movimento, é um assunto delicado".
Países como África do Sul optaram
por trazer médicos cubanos ao país, por não conseguirem incentivar médicos a se
estabelecer em áreas rurais.
"Houve muita reclamação
das associações de médicos sul-africanos, de que isso iria prejudicar o mercado
nacional. Os mesmos argumentos que se ouve hoje no Brasil", diz Bump.
Para o Brasil, na opinião de
Bump, a eventual opção pela contratação de médicos cubanos seria apenas uma
solução "para mitigar a situação, por dois ou três anos".
"No longo prazo, é
preferível o investimento em profissionais locais. É preciso um plano nacional
que preveja a saída dos profissionais cubanos e o que acontecerá depois. A
medida dá uma janela de três a cinco anos para o governo estabelecer uma estratégia
nacional que deve incluir a dimensão educacional", complementa Kickbush.
Clínica geral x especialização
A preferência dos
profissionais pela especialização - mais rentável - em detrimento do
atendimento como clínico geral tem sido um problema para o Ministério da Saúde,
mas também causa dores de cabeça em outros países.
Kickbush diz que "ninguém
quer ser clínico geral, isso acontece aqui na Suíça, no Quênia, no Brasil, em
todo lugar". "A profissão de médico hoje valoriza as especializações,
há poucos clínicos gerais e eles não são valorizados".
Ela propõe soluções como as
implementadas na China, que prevê incentivos para o trabalho em áreas rurais.
FONTE: Notícias UOL
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